Poucos minutos antes das 18h00 desta quarta-feira, Trump deixou o Reino Unido. Se o primeiro dia da visita de Estado em terras britânicas teve carruagens, revistas às tropas e um banquete com a família real, o segundo dia foi marcado pelas negociações políticas e declarações, com o Presidente dos EUA reunido com o primeiro-ministro Keir Starmer durante várias horas.
Ao início da tarde, a aguardada conferência de imprensa em dupla teve espaço para Trump falar sobre Gaza e a divergência que assume que tem com Starmer sobre o reconhecimento do Estado da Palestina. Voltou a mostrar-se “desiludido” com Putin e assinalou que já são bem mais as baixas russas do que as ucranianas.
Aconselhou ainda Starmer a fazer uso do seu exército para controlar a imigração e chutou para o primeiro-ministro britânico questões sobre o embaixador britânico nos EUA demitido por ligações a Epstein. Abordou também a recente polêmica com o cancelamento do programa do apresentador de televisão norte-americano Jimmy Kimmel, que o Presidente dos EUA diz ter “falta de talento”.
O dia tinha começado com a despedida formal ao Rei Carlos em Windsor. “Ele é um grande cavalheiro e um grande Rei”, declarou o Presidente norte-americano na hora da partida, entre dois apertos de mão. Trump seguiu depois para Chequers, residência de verão do primeiro-ministro britânico, onde foi recebido por Keir Starmer e pela sua esposa Victoria, ao som de gaitas de foles.
Já a primeira-dama norte-americana, Melania Trump, permaneceu na residência da realeza para uma visita à casa de bonecas da Rainha Mary e à biblioteca real com a rainha Camila e para um encontro com a princesa de Gales, em que brincaram com um grupo de crianças dos escuteiros.
Em Chequers, o primeiro ponto da agenda foi uma visita aos arquivos de Winston Churchill. Seguiram-se depois uma série de encontros políticos: primeiro, uma reunião bilateral com Keir Starmer. Depois, juntaram-se a eles a ministra das Finanças Rachel Reeves e vários empresários norte-americanos, para finalizar o acordo sobre as tarifas de importação do aço britânico e um acordo de investimentos de empresas tecnológicas no Reino Unido, no valor de vários milhares de milhões de libras — o chamado “Acordo de Prosperidade Tecnológica”.
O que podem Trump e Starmer ganhar (ou perder) com uma visita de Estado histórica?
Durante este segundo encontro, antes de assinarem o acordo, os dois líderes aproveitaram para fazer algumas declarações. O primeiro-ministro britânico começou por dizer a Trump que o Presidente dos EUA está entre “os amigos” do Reino Unido e que há “muito que comemorar na relação especial” entre os dois países.
“Tudo se resume a líderes, é claro, líderes que se respeitam uns aos outros, líderes que realmente gostam uns dos outros, e tudo se resume ao nosso relacionamento único na Defesa — o mais próximo que o mundo já viu”, disse Keir Starmer, citado pela Sky News, referindo-se ao que classificou como o “maior pacote de investimento na História britânica”, com 250 milhões de libras (cerca de 290 milhões de euros) que serão investidos no setor da Defesa.
Já o Presidente norte-americano sublinhou o “laço inquebrável” entre as duas nações e classificou o acordo de investimento na área da Defesa como “histórico”. Por outro lado, manifestou a intenção dos EUA de se assumirem como o “parceiro comercial mais forte, próximo e confiável do Reino Unido”. No que diz respeito às políticas comerciais, Trump voltou a referir-se às tarifas que os EUA impuseram às importações, para revelar que Washington já “arrecadou biliões de dólares em tarifas, que estão a ajudar” o país. “Nunca vimos um investimento como este sem as tarifas”, sublinhou o líder norte-americano.
Depois de almoço, Melania Trump reuniu-se com o Presidente em Chequers e os dois casais (Starmer e Trump) assistiram a uma demonstração dos “Red Devils”, a divisão de paraquedistas do Exército britânico.
A visita terminou com uma conferência de imprensa conjunta, em que Starmer salientou que a visita marcou o início de “uma nova era” na parceria entre Londres e Washington. “Parceiros primários na defesa, comércio e agora ciência e tecnologia, prontos para definir este século, tal como [definimos] o último”, declarou. “Os [pontos] fundamentais não se alteraram”, continuou, destacando o pacto defensivo e a “busca pela paz”.
Neste campo, o primeiro-ministro britânico destacou, em primeiro lugar, o trabalho conjunto para “pôr fim à catástrofe humanitária no Médio Oriente” que, a longo prazo, significa a coexistência pacífica entre israelitas e palestinianos. Só depois é que Starmer mencionou o apoio à Ucrânia, particularmente relevante neste momento já que “nos últimos dias, Putin mostrou a sua verdadeira face”, ao visar países da NATO.
Já Trump tomou a palavra para sublinhar a parceria econômica entre os dois países e admitir que o acordo econômico entre os dois países, para contornar as tarifas, não ficou fechado durante o encontro. No entanto, mostrou-se confiante que essa assinatura está para breve e que o acordo continua bem encaminhado — e elogiou o “negociador duro” que encontrou em Keir Starmer. Já sobre as parcerias na área da defesa, o Presidente norte-americano concordou que estão a trabalhar em conjunto para pôr fim às guerras na Ucrânia e no Médio Oriente. Mais tarde, admitiu novamente: “o Presidente Putin desiludiu-me”.
Questionados em primeiro lugar sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, os dois líderes reconheceram logo à partida que essa foi uma das “divergências” que emergiu do encontro: Starmer garantiu que este passo é essencial para pôr fim à crise humanitária e abrir caminho a uma paz duradoura na região, enquanto Trump insistiu que “simplesmente quer todos os reféns libertados imediatamente” e de uma só vez, mencionando os ataques do 7 de Outubro e o tratamento dos reféns israelitas às mãos do Hamas.
Trump voltou a mostrar-se descontente com Putin. “Ele desiludiu-me muito. Ele matou muitas pessoas e perdeu mais pessoas do que aquelas que matou. Francamente, os soldados russos estão a ser mortos numa proporção maior que os soldados ucranianos”, afirmou ainda.
Trump disse ainda que a guerra na Ucrânia “não afeta os EUA” e que o conflito é algo que não teria acontecido se fosse Presidente na altura em que começou. “Ele não teria feito o que fez, o que aconteceu foi que ele não respeitou a liderança dos EUA”, disse sobre o mandato de Joe Biden.
“Só quando o Presidente [Trump] pressionou é que ele realmente mostrou alguma inclinação para agir”, afirmou ainda. Referindo-se aos recentes ataques a edifícios governamentais e ao British Council em Kiev, o primeiro-ministro britânico disse sobre Putin: “Não são ações de alguém que deseja a paz.”
“Estamos preparados para assumir a liderança nesta questão”, acrescentou Starmer, referindo-se aos aliados europeus e à OTAN, e aos esforços para garantir qualquer potencial acordo de paz.
Enquanto enumerava aqueles que considerou serem os seus sucessos em terminar conflitos armados pelo mundo, Donald Trump mencionou o longo conflito entre a Arménia e o Azerbaijão, mas confundiu a Arménia com a Albânia e chamou ao Azerbaijão “Aberbaijão”.
De acordo com a Sky News, esta é a terceira vez que Trump confunde um dos países nas últimas semanas.
Starmer respondeu de seguida às questões de uma jornalista britânica, escolhida por Trump, que pergunta ao primeiro-ministro se o Reino Unido ainda é um país cristão e pergunta ao presidente se há divergências entre os dois sobre a liberdade de expressão.
“Fui batizado. Portanto, essa tem sido a minha igreja toda a minha vida. Isso está incorporado na nossa constituição informal. É claro que também celebramos muitas outras religiões, e tenho muito orgulho de que possamos fazer isso como país”, respondeu Starmer.
A questão seguinte foi para um jornalista norte-americano, que pergunta a Starmer se considera classificar o movimento “antifa” como um grupo terrorista, como Trump diz que vai fazer. O primeiro-ministro britânico evitou dar uma resposta clara: “Bem, obviamente tomaremos as nossas próprias decisões.”
Em resposta sobre que conselho daria a Keir Starmer sobre imigração ilegal, Trump disse que uma das razões pelas quais quis ser Presidente dos EUA foi a imigração. Notou que havia “milhões de pessoas a entrar sem qualquer controlo” antes de voltar à Casa Branca e criticou as políticas de Joe Biden na matéria.
Mais, aconselhou Starmer a fazer o que for preciso para parar as entradas ilegais no Reino Unido, com recurso à força, mesmo que seja preciso dar ao exército a tarefa de controlar as fronteiras. “Há pessoas a entrar e eu disse ao primeiro-ministro que estou a impedir isso. E não importa se for preciso chamar as forças armadas, não importa os meios a usar. Isso destrói os países por dentro e agora estamos realmente a remover as pessoas que entraram no país”, defendeu Trump.
Generalizando, disse que os imigrantes ilegais “vieram das prisões” e são “membros de gangues”. Já Starmer, referiu que o Reino Unido “fechou uma série de acordos” de cooperação com outros países. Apontou as migrações como um “problema em toda a Europa” e mencionou o acordo de repatriamento com França.
A última questão da conferência foi dada à Sky News, com a jornalista a questionar Trump sobre o “elefante na sala” — Peter Mandelson, o embaixador britânico em Washington que foi demitido na semana passada devido às suas ligações com Jeffrey Epstein.
“Na verdade, não o conheço”, afirmou o Presidente norte-americano, sendo que existem fotografias dos dois a encontrarem-se na Sala Oval da Casa Branca. “Ouvi falar disso e acho que talvez o primeiro-ministro seja mais indicado para falar sobre isso, foi uma escolha que ele fez”, defendeu Trump.
