No Dia Mundial da Saúde Mental, a Human Resources entrevistou três membros da direção do Pacto para a Saúde Mental em Ambientes de Trabalho: Frederico Fezas Vital, diretor Executivo, e os vice-diretores executivos José Sintra, responsável pela Estratégia de Pessoas da VDA, e Liliana Dias, Managing Partner da Bound.Health. Eles discutiram os resultados de três anos de trabalho colaborativo e a publicação do Roadmap para a Saúde Mental nas Organizações, uma ferramenta prática que oferece um caminho estruturado para integrar a saúde mental na estratégia das organizações.

Por Tânia Reis

Em 2022, a Católica Lisbon, através do Center for Sustainable Business and Leadership, lançou o pacto global para a Saúde Mental em Ambientes de Trabalho, que atualmente conta com mais de trinta empresas signatárias.

Já se passaram mais de três anos desde a criação do Pacto para a Saúde Mental. A missão inicial e os objetivos permanecem os mesmos?

Frederico Fezas Vital: No essencial, a missão e os objetivos iniciais do Pacto continuam os mesmos, embora tenham ocorrido ajustes e adaptações normais, gerados pela dinâmica da interação com as organizações membros, que co-construíram suas diretrizes e ambições.

Quando lançamos, em julho de 2022, a primeira pedra do “Pacto para a Saúde Mental em Ambientes de Trabalho” durante o primeiro Summit e a Research Note intitulada “Saúde Mental no Trabalho – Estado da Arte e Diretrizes para Ação”, já reconhecíamos a importância estratégica desse tema não apenas como um pilar da sustentabilidade, mas também como um vetor fundamental para o negócio. A partir das conclusões da Research Note e da observação dos impactos e transformações provocados pela pandemia, entendemos que era o momento certo para agir.

Naquele momento, nos questionávamos sobre qual seria a forma mais eficaz e o modelo mais eficiente para que a saúde mental tivesse o papel que já sabemos, através de evidências, que deveria ocupar nas organizações, tanto para o bem-estar das pessoas quanto em produtividade e eficiência do trabalho. A inovação social nos ofereceu algumas pistas importantes:

  • Deveria ser um modelo que refletisse e abordasse as necessidades das organizações;
  • Precisa apresentar uma proposta de valor clara para facilitar a adesão e o envolvimento;
  • É crucial que as organizações sintam que essa iniciativa lhes pertence e que sua evolução e progresso sejam controlados por elas, uma vez que, sem esse sentimento de pertencimento, a sustentabilidade da iniciativa estaria ameaçada desde o início;
  • Por fim, era importante que gerasse resultados concretos que beneficiassem não apenas as organizações participantes, mas também aquelas que, ainda não adesão, necessitassem de apoio e orientação no desenvolvimento de suas estratégias para a promoção da saúde mental. Algo que, no fundo, vinculasse as organizações à sua responsabilidade sistêmica.

Acredito que essa missão ainda faz sentido hoje e que já alcançamos algumas das ambições inicialmente traçadas. Os objetivos do Pacto podem ser resumidos atualmente em três pontos:

  • Criação de valor para os membros – queremos que esses grupos se diversifiquem em termos de dimensão, setores, maturidade e natureza – pública, privada ou social;
  • Compartilhamento de conhecimentos e práticas – um “safe space”, com uma lógica de “serviço”, onde todos os membros compartilham, sem restrições, e que, com suas contribuições, também recebem as experiências dos outros membros;
  • Geração de sinergias com entidades estratégicas – temos consciência de que, para que esta iniciativa atinja seu potencial, precisamos envolver vários agentes do ecossistema, e esse esforço tem sido constante.

Quais são os principais desafios enfrentados ao longo desse período? E as oportunidades?

FFV: Uma iniciativa com essa ambição e a dimensão atingida enfrenta, naturalmente, muitos desafios, mas também muitas oportunidades. Para não ser exaustivo, destacaria dois de cada, que considero importantes.

Desafios:

  • Articulação e envolvimento dos stakeholders – a visão compartilhada garante a predisposição para a colaboração. Contudo, no dia a dia, como é natural, os ritmos e níveis de envolvimento diferem, e a direção do Pacto enfrenta o desafio constante de encontrar maneiras de mobilizar todas as organizações;
  • Definição de propostas de valor comuns – dado que o objetivo do Pacto é atender às necessidades de diferentes organizações com dimensões e níveis de maturidade distintos, garantir a entrega de valor de forma satisfatória para todos é sempre um grande desafio.

Oportunidades:

  • A diversidade – acreditamos que essa é uma das grandes oportunidades do Pacto. O aprendizado entre pares, mesmo com disparidades em suas estratégias de saúde mental, é valioso. Essa diversidade permite que as organizações mais avançadas reavaliem suas práticas básicas e que as menos experientes aprendam e se sintam motivadas pelos que estão mais “à frente”.
  • Aprofundamento – desde o início, temos realizado trabalhos exigentes em grupos com organizações, o que, embora consuma tempo e dedicação, tem permitido um aprofundamento nas questões relativas à saúde mental e sua gestão a nível organizacional. Para ir fundo, é necessário tempo e iniciativas como o Pacto ajudam a definir objetivos, metas e prazos ambiciosos. Acreditamos que isso auxilia as organizações a continuarem a aprofundar um tema que não poderá ser tratado superficialmente.

Como foi o processo de construção colaborativa ao longo desses três anos?

FFV: Foi um processo gradual e progressivo, onde as organizações foram se envolvendo conforme suas capacidades. Participaram de grupos de trabalho para aprofundar determinados tópicos e compartilhar boas práticas, na organização dos nossos Summits anuais para discutir resultados e expandir redes, além de momentos de reflexão e aprendizado promovidos pela direção do Pacto ao longo dos anos.

Dizer que foi uma viagem de enorme crescimento é um compromisso. Um exemplo notável é a participação de quatro grandes empresas do setor energético – BP, EDP, GALP e REN – que têm sido ativas nas suas contribuições e colaborações, transmitindo uma mensagem importante para a sociedade portuguesa: em tópicos como a saúde mental, que são transversais, não há espaço para concorrência, mas sim para colaboração e cooperação.

Hoje, quantas empresas estão envolvidas e qual compromisso elas assumem ao aderir ao Pacto?

FFV: Na verdade, já são mais de 32, com a recente adesão de empresas como Leroy Merlin, Leya, Central de Cervejas e Dorel, entre outras. Além dos compromissos simbolicamente assumidos com a assinatura do Pacto, que se traduzem em cinco linhas de ação:

  • Desenvolver e apresentar planos de ação para apoiar a boa saúde mental nas organizações;
  • Promover uma cultura empresarial de abertura sobre saúde mental, lutando contra o estigma, com o envolvimento ativo das lideranças;
  • Capacitar todos os colaboradores para que gerenciem e priorizem sua própria saúde mental e se apoiem mutuamente;
  • Encaminhar colaboradores para ferramentas de saúde mental e o apoio necessário;
  • Medir regularmente o impacto das iniciativas de saúde mental dentro das empresas.

Além disso, assumem compromissos com os princípios fundamentais que regem a participação de qualquer organização no Pacto, que são:

  • Ownership: este movimento é de todas as organizações participantes. Assim, todas as decisões sobre caminhos e atividades são tomadas nas plenárias anuais do Pacto, e posteriormente implementadas por uma equipe designada para tal;
  • Serviço: as organizações buscam não apenas recursos e aprendizagens que possam contribuir para a eficácia das suas políticas e medidas, mas também para ajudar outras organizações através da partilha de recursos, ferramentas e experiências;
  • Partilha em segurança: é fundamental que os momentos de partilha sejam feitos com abertura e honestidade, criando uma base de aprendizagem que considere tanto os sucessos quanto os desafios e erros cometidos.

É possível medir os impactos do Pacto nas empresas signatárias?

Liliana Dias: Estamos atualmente desenvolvendo instrumentos para medir o impacto, junto a um conselho científico, visando fortalecer nossa teoria da mudança e estabelecer objetivos e indicadores concretos sobre os resultados alcançados pelos membros do pacto.

Até o momento, a medição de impacto tem sido feita de forma informal, através da partilha de aprendizagens e boas práticas, além de desafios enfrentados pelos membros. A cultura que promovemos no pacto assume a valorização de uma partilha honesta, contemplando tanto os sucessos quanto as dificuldades encontradas na promoção efetiva da saúde mental no trabalho.

Em que consiste o Roadmap Saúde Mental no Trabalho apresentado este ano?

LD: O Roadmap serve como um manual que orienta todas as organizações no desenvolvimento de sua maturidade em gerir a saúde mental no trabalho. Ele foi criado de forma colaborativa e baseado em ciência, boas práticas internacionais e nacionais, além de casos concretos das organizações membros.

Dada a complexidade e a recente atenção dada à promoção da saúde mental na gestão organizacional, nosso enfoque principal foi descomplicar, informar e guiar a implementação prática de programas de saúde mental que gerem resultados reais.

Quais objetivos foram definidos?

José Sintra: O Pacto queria que o Roadmap fosse um recurso dinâmico e completo, orientado para desenhar, implementar e avaliar programas de promoção da saúde mental nas organizações.

Agora, buscamos tornar o Roadmap concreto e voltado para a ação, com o Roadmap Lab, transformando cada capítulo do documento em sessões de formação-ação. O lançamento está previsto para janeiro de 2026, e será liderado pelo Pacto, porém aberto à comunidade, possibilitando sua evolução para um programa de capacitação-ação para todas as organizações. Com esse ciclo, também queremos testar sua aplicabilidade real e incorporar melhorias para uma segunda versão do documento até o final de 2026.

Como foi desenvolvido e qual é o papel das empresas nesse processo?

LD: O desenho do Roadmap foi colaborativo desde a sua concepção até a implementação, com grupos de trabalho redigindo cada capítulo. Os membros participaram em todas as etapas, desde pesquisa científica e benchmarking até à elaboração de ferramentas, compartilhamento de casos práticos e a revisão final do documento.

Que tipo de ferramentas práticas o Roadmap oferece às organizações?

LD: O Pacto oferece ferramentas para todas as etapas de promoção da saúde mental no trabalho: como autoavaliar a maturidade organizacional; diagnosticar riscos à saúde mental dos colaboradores; estabelecer prioridades; implementar e comunicar internamente; inspirar-se em boas práticas; e medir a eficácia das intervenções.

Que indicadores são utilizados para avaliar o progresso em saúde mental nas organizações?

LD: Os indicadores-chave incluem: indicadores de riscos psicossociais; indicadores de absentismo e presentismo; dados de saúde ocupacional; indicadores de satisfação e engajamento dos colaboradores; e indicadores de ROI de programas de saúde e produtividade.

Existem evidências de que a saúde mental está se tornando uma alavanca estratégica para produtividade, inovação e retenção de talentos?

JS: Há evidências de que investir em saúde mental traz benefícios mensuráveis para produtividade, inovação e retenção de talentos.

Sobre produtividade, sabemos que o presentismo – a presença física sem participação mental devido a problemas de saúde psicológica – custa muito mais às empresas do que o absentismo. Por exemplo, de acordo com o relatório “Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações”, publicado em 2023 pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, cada colaborador pode ter um custo de produtividade por presentismo equivalente a até 15,8 dias de trabalho, aproximadamente o dobro da perda de produtividade devido ao absentismo.

Em relação à inovação, existe uma correlação direta entre segurança psicológica e criatividade. Equipes que se sentem apoiadas e podem expressar vulnerabilidade são mais propensas a ambientes inovadores.

No que diz respeito à retenção de talentos, o impacto é notoriamente mais evidente. As novas gerações buscam ativamente empregadores que demonstrem um compromisso genuíno com o bem-estar, transformando o que antes era visto como um benefício em um diferencial competitivo.

Quais têm sido os principais desafios na implementação de políticas de saúde mental nas empresas?

JS: O maior desafio é sensibilizar as lideranças a ver a saúde mental como uma prioridade estratégica e não apenas como um custo. Sem esse compromisso, as iniciativas tendem a ser superficiais.

Outro obstáculo é a medição de resultados. Diferente de outras métricas de RH, o impacto das políticas de saúde mental é mais difícil de quantificar, dificultando a justificativa de investimentos para as administrações.

Adicionalmente, principalmente em pequenas e médias empresas, faltam orçamento e profissionais qualificados, o que leva a ações pontuais em vez de estratégias integradas.

Como você vê o futuro da saúde mental no contexto empresarial em Portugal?

JS: Vejo um futuro promissor, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Estamos testemunhando uma transformação geracional no mercado de trabalho, e os profissionais mais jovens exigem ambientes de trabalho saudáveis.

Acredito que veremos evolução em três frentes principais: a integração profunda da saúde mental na estratégia organizacional, o desenvolvimento de lideranças preparadas para gerenciar equipes com foco no bem-estar e a alteração da legislação sobre saúde e segurança no trabalho, especialmente na avaliação e prevenção de riscos psicossociais.

O desafio para Portugal será garantir que essa transformação não se restrinja às grandes empresas ou multinacionais, necessitamos de soluções escaláveis que alcancem as PME, que constituem a maioria do nosso tecido empresarial.

Quais os próximos passos previstos para o Pacto e para o Roadmap?

FFV: Após o Summit de julho de 2025, onde foi lançado o primeiro produto do Pacto – o Roadmap Saúde Mental no Trabalho –, e a reunião estratégica com os membros do Pacto no início de setembro, definimos quatro grandes pilares de foco:

Governação – aumento do número de membros e maior envolvimento;

Investigação – definição de quatro linhas de investigação, desde o impacto da transição digital na saúde mental até a influência da liderança nas estratégias de saúde mental no trabalho. O objetivo é criar ferramentas e desenvolver projetos de impacto na comunidade e influenciar políticas públicas;

Formação – capitalizar o Roadmap Saúde Mental no Trabalho, detalhando os oito passos para criar uma estratégia de saúde mental em um ciclo de formações abertas a todas as organizações;

Comunicação – continuar e reforçar a comunicação sobre as iniciativas e resultados do Pacto, bem como as desenvolvidas por cada um dos seus membros.

Em conclusão, é vital aumentar o número de membros, fomentar a diversidade das organizações e garantir que esta permaneça uma iniciativa das organizações para as organizações, em português – de Portugal para Portugal – buscando que em breve não haja dúvida sobre a relevância da inclusão da saúde mental na estratégia de qualquer organização, independentemente de sua dimensão, natureza ou setor.

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