O Girona ganhou um destaque fora do comum na temporada 2023/24. Habituado a ser um clube seguido por uma realidade regional, o emblema da Catalunha alcançou um feito extraordinário, terminando essa edição da La Liga 2023/24 na terceira posição, à frente do Atlético Madrid. Em certos troços dessa época, a equipa do Montilivi parecia ter a competência necessária para disputar o título. O próprio mundo do futebol tinha o desejo de assistir a tal fenómeno, já que hoje em dia é cada vez mais raro nas Big 5 termos um outsider como campeão. Em Espanha, somente o Atlético Madrid conseguiu colocar-se na luta entre o Real Madrid e o Barcelona nos últimos anos (e nem sempre) e o Girona tentou fazer os adeptos sonhar.

O seu estilo de jogo convencia os críticos, dominando a posse de bola, com um objetivo: chegar à baliza do adversário. Não sendo um tiki-taka puro, estava bem mais próximo disso do que de um futebol em profundidade. Míchel transformou-se num ídolo na cidade catalã e foi inclusivamente associado a outros voos. Associado a tudo isto, a ligação com o City Group, fazia prever um futuro em grande. Imaginava-se que o Girona passasse a fazer parte de um seleto grupo que consegue batalhar pelo acesso às competições europeias durante todos os anos e que por vezes lutasse pelo pódio. Havia a consciência que manter-se no degrau de Barcelona, Real Madrid e Atlético Madrid era irrealista, mas que o crescimento era uma certeza. Acompanhando tudo isto, os blanquivermells ganharam a atenção internacional, com a sua primeira participação na Champions League, onde se esperava uma prestação que honrasse os valores do clube.

Se nos sonhos tudo parecia perfeito, a realidade transformou-se num pesadelo. O Girona foi a surpresa de 2023/24, mas foi igualmente a desilusão de 2024/25 e há várias justificações para o feito negativo. A primeira (e possivelmente a mais importante) foi a lógica de continuidade que não existiu. Como seria de esperar, vários nomes saíram da Catalunha para rumarem a destinos mais atrativos: Yan Couto, Aleix García, Savinho e Artem Dovbyk (só para citar alguns, sendo que é igualmente um exercício interessante ver a falta de sucesso destes elementos fora do Montilivi) saíram e Quique Cárcel e restante direção desportiva não quiseram manter a política do clube, que deveria cair na aposta de jogadores jovens para o seu desenvolvimento. Pelo contrário, fecharam a aquisição de nomes de peso e em clara decadência. Pau López, Arnaut Danjuma, Donny van de Beek ou Arthur foram exemplos de uma política que falhou e trouxe apenas prejuízo. Alejandro Francés ainda não se afirmou e os 18 milhões de euros pagos por Yáser Asprilla hoje parecem um exagero absurdo. Abel Ruiz está longe de ser um sucessor de qualidade necessária para Artem Dovbyk e não há boas memórias de Bojan Miovski.

O Girona, ao invés de manter o crescimento enquanto projeto, conseguiu dar passos atrás e só não lutou pela manutenção porque havia equipas que eram bem piores, fechando a La Liga com uma tímida 16.ª posição. Alguns jogadores que já estavam no plantel tampouco renderam como em 2023/24, como Iván Martín e Míchel pareceu uma sombra do que tinha sido, não deixando de ser adorado. A participação na Champions League, que deveria ser um sonho, transformou-se num pesadelo com uma eliminação ainda na primeira fase, depois de apenas uma vitória e sete derrotas. A presença em provas internacionais somente serviu para que o calendário do Girona ficasse ainda mais preenchido, o que não foi de todo positivo e que justifica alguns dos maus resultados da primeira metade da época. O Girona foi uma equipa que muitos adeptos decidiram acompanhar em 2024/25, depois do que se viu em 2023/24, mas transformou-se num clube pouco exemplar e que necessita obrigatoriamente de dar a volta.

Já estamos em 2025/26 e o cenário não mudou. Os números mostram isso: são três derrotas em três jornadas, um golo marcado e 10 sofridos. Os assobios são uma constante presença. Porém, estes valores estão longe de ser o pior. O Girona precisa urgentemente de virar a página, de começar de novo. A equipa não está psicologicamente bem e não conseguiu dar a volta à situação. Não há qualquer alegria no estilo de jogo, o futebol é penoso de se ver e os defeitos estão totalmente expostos ao adversário. O futebol de Míchel já não tem segredos e o treinador, que continua sem ser posto em causa, não tem a chave com as soluções e pode não vir nunca a tê-la. O seu estatuto justifica a sua manutenção no cargo, mas isso não chega.

O verão foi novamente atarefado para Quique Cárcel, que viu os poucos destaques da equipa irem embora: Miguel Gutiérrez, Ladislav Krejci e Yangel Herrera. O onze inicial de 2023/24 está espalhado pela Europa e o que ficou dele são só memórias. Sobram poucos valores dessa equipa: Paulo Gazzaniga, Christian Stuani, Viktor Tsygankov, Daley Blind e pouco mais. Em termos de entradas, houve nomes a aterrarem no Montilivi sem grande sentido. Thomas Lemar veio em busca de relançar a carreira, numa fase em que o Girona deveria apostar em jovens. Bryan Gil chega exatamente para o mesmo, embora numa dimensão menor. Axel Witsel é reforço que também não faz sentido, já que o plantel conta com experiência suficiente. Álex Moreno, Azzedine Ounahi, Hugo Rincón, Dominik Livakovic ou Vladyslav Vanat aparentam ser apostas com nexo, mas que ainda se têm que adaptar à sua realidade.

Pertencer ao City Group não foi uma grande ajuda neste mercado. Apenas chegou Vítor Reis por empréstimo, quando o Girona precisava de mais nomes de vulto. Os catalães nos últimos meses perderam relevância no conglomerado de clubes e isso é visível a olho nu. Se anteriormente estavam um escalão abaixo do Manchester City, hoje em dia significam tanto como o Bahia, por exemplo. Não há grande lucro em fazer parte deste grupo para os espanhóis, que têm que dar conta de si mesmos.

A grande esperança do Girona em 2025/26 chama-se Joel Roca. O extremo de 20 anos esteve emprestado ao Mirandés em 2024/25 e foi um dos destaques da formação de Alessio Lisci, conquistando um lugar nos blanquivermells, onde promete ser um dos destaques, do lado esquerdo do ataque. No fundo, Joel Roca é o caminho a seguir para os catalães, que contam com uma boa base e que podem apostar em jogadores da cantera, além da aquisição de valores com menos nome, algo que fizeram outrora com tanto sucesso.

Se antes o Girona parecia ser uma grande família, hoje em dia é um bando de desconhecidos, que têm pouca vontade de criar laços. Não deverão causar estranheza colocar a equipa do Montilivi nos candidatos à descida depois destas três jornadas, pelas exibições realizadas e imagem deixada. É preciso uma volta de 180 graus.

Míchel terá que encontrar soluções até à próxima paragem de soluções para fazer levantar a equipa, nomeadamente no aspeto psicológico. Abdicar do seu estilo de jogo por algum tempo não seria uma má ideia. Um conjunto como o do Girona não tem a qualidade suficiente para assumir todas as partidas, começar a jogar pela defesa e fazer jogadas rendilhadas durante os 90 minutos. Por vezes é preciso assumir que se é a parte mais fraca, fechar os setores, apostar no contra-ataque e lutar pelo resultado com as armas que se tem.

O Girona deixou de dar medo ao adversário para dar medo aos próprios adeptos. O sonho de se transformar num clube do top 10 acabou e chegou o pesadelo da luta pela manutenção. Caso não se consiga dar a volta nas próximas semanas, a equipa corre o risco de se transformar na pior da La Liga (tendo em conta que os promovidos estão a dar uma imagem positiva, em comparação com os dos anos anteriores) e a descida deixar de ser uma hipótese para se transformar num facto, algo totalmente impensável em 2023/24, uma época que fez tão feliz aos girunis.

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