Por Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca

O Governo propôs, no âmbito da reforma laboral “Trabalho XXI”, revogar o artigo 338.º-A do Código do Trabalho, conhecido como “travão ao outsourcing”. Esta norma, em vigor desde 2023, atualmente proíbe as empresas de recorrer a prestadores de serviços externos durante um período de 12 meses após um despedimento coletivo ou a extinção de postos de trabalho, sempre que os serviços contratados digam respeito a funções anteriormente desempenhadas por trabalhadores despedidos.

A disposição foi introduzida pela Agenda do Trabalho Digno com o intuito de impedir que as empresas usassem o outsourcing como forma disfarçada de substituir trabalhadores com contrato direto por mão de obra mais barata, mantendo as mesmas funções através de empresas externas.

Na prática, a aplicação dessa norma tem gerado dificuldades significativas. Em setores como a segurança privada e a limpeza, onde a subcontratação é regra, a limitação gera constrangimentos operacionais, especialmente em casos de reorganização interna. O mesmo se verifica em logística e transportes, onde o uso de prestadores externos é essencial para atender a picos de atividade ou demandas sazonais; a proibição é considerada um impedimento irrealista. Da mesma forma, no setor de tecnologias da informação, muitas empresas dependem de consultorias externas altamente especializadas, e a incerteza sobre a legalidade de contratar serviços externos após demitir técnicos internos cria riscos de litígios.

Mais do que apenas problemas práticos, a norma levanta importantes questões de segurança jurídica. Nem sempre é claro onde termina uma reorganização legítima e onde começa uma substituição abusiva, o que coloca empregadores e trabalhadores em uma área cinzenta, aumentando a potencial litigiosidade.

Em 2023, o Tribunal Constitucional já se manifestou sobre a questão, validando a norma, contrariando as expectativas de muitos juristas. A maioria entendeu que o legislador pode criar regras que visem a proteção dos postos de trabalho, mesmo que isso implique limitar a liberdade de gestão das empresas. No entanto, a decisão não foi unânime: em votos divergentes, alguns juízes argumentaram que a proibição absoluta fere princípios constitucionais, como a liberdade de iniciativa económica e a autonomia de gestão das empresas, contemplados no artigo 61.º da Constituição. Para esses magistrados, a abordagem escolhida representa uma interferência excessiva do legislador na organização empresarial, desequilibrando a relação entre a proteção do emprego e a liberdade de gestão.

Apesar de continuar em vigor, o Governo agora busca eliminar esse travão. Para as empresas, a revogação representaria a remoção de um obstáculo burocrático que compromete a flexibilidade. Por outro lado, para os sindicatos, trata-se de um evidente risco de despedimentos disfarçados, substituindo vínculos estáveis por contratos externos mais baratos e precários.

No entanto, a aplicação da norma tem mostrado mais fragilidades do que virtudes. Em setores que dependem do outsourcing, a norma se revelou um obstáculo à gestão diária das empresas e fonte constante de incerteza jurídica. Em vez de garantir estabilidade, abriu espaço para interpretações divergentes e potenciais litígios, sem benefícios claros para os trabalhadores.

Isso não significa que a proteção do emprego deva ser ignorada. Existem medidas que podem ser adotadas para salvaguardar os trabalhadores em contextos de despedimento — como o fortalecimento do acompanhamento sindical, maior escrutínio das razões para a cessação dos contratos ou regimes de compensação mais equilibrados — que não exijam uma restrição tão severa da liberdade económica das empresas. O equilíbrio é viável, mas não será alcançado por meio de soluções que, na prática, criam mais obstáculos do que benefícios.

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