Um grupo internacional de pesquisadores liderado pela Universidade de Oxford alcançou um feito inédito ao gerar “bola de fogo” de plasma com o acelerador Super Proton Synchrotron no CERN, em Genebra. O objetivo deles era investigar como os jatos de plasma de blazares distantes permanecem estáveis enquanto viajam pelo espaço.
Os resultados da equipe, publicados em 3 de novembro na PNAS, podem ajudar a resolver um grande mistério sobre os raios gama desaparecidos do Universo e seus vastos campos magnéticos invisíveis.
Blazares e o Enigma dos Raios Gama Desaparecidos
Blazares são um tipo de galáxia ativa alimentada por buracos negros supermassivos que disparam potentes e estreitos jatos de partículas e radiação a quase a velocidade da luz. Esses feixes liberam raios gama extremamente energéticos que podem alcançar vários teraelectronvolts (1 TeV = 1012 eV), detectados por observatórios em solo.
À medida que esses raios gama TeV viajam pelo espaço intergaláctico, eles interagem com a luz de fundo tênue das estrelas, produzindo cascatas de pares de elétron-pósitron. Esses pares deveriam colidir com o fundo cósmico de micro-ondas, criando raios gama de menor energia (cerca de 109 eV, ou GeV). No entanto, telescópios de raios gama no espaço, como o satélite Fermi da NASA, não observaram esse sinal esperado. A causa dessa discrepância tem sido desconhecida por muito tempo.
Cientistas propuseram duas explicações possíveis. Uma teoria sugere que campos magnéticos fracos entre as galáxias desviam os pares de elétron-pósitron, redirecionando os raios gama resultantes para longe da Terra. Outra, fundamentada na física do plasma, propõe que os pares se tornam instáveis enquanto atravessam o gás fino que preenche o espaço intergaláctico. Nesse cenário, pequenas perturbações no plasma geram campos magnéticos e turbulência que drenam energia do feixe.
Recriando Condições Cósmicas em Laboratório
Para testar essas ideias, a equipe de pesquisa — combinando a experiência da Oxford e do Centro de Instalações de Laser da Ciência e Tecnologia (STFC) — utilizou o setup HiRadMat (Alta Radiação em Materiais) do CERN. Eles produziram feixes de pares de elétron-pósitron usando o Super Proton Synchrotron e os enviaram através de um plasma de um metro de comprimento. Este experimento serviu como uma simulação em pequena escala de como a cascata de pares de um blazar se move através da matéria intergaláctica.
Ao medir a forma do feixe e os campos magnéticos que ele gerou, os pesquisadores puderam determinar se as instabilidades do plasma poderiam ser fortes o suficiente para perturbar o fluxo do feixe.
Resultados Surpreendentes Apontam para Campos Magnéticos Antigos
Os resultados foram inesperados. Em vez de se despedaçar, o feixe de pares permaneceu focado e quase paralelo, mostrando muito pouca perturbação ou atividade magnética. Quando aplicado a escalas cósmicas, isso sugere que as instabilidades do plasma sozinhas são fracas demais para explicar os raios gama desaparecidos.
O resultado apoia a explicação alternativa — que o meio intergaláctico contém um campo magnético remanescente da infância do Universo.
O pesquisador principal, Professor Gianluca Gregori (Departamento de Física, Universidade de Oxford) disse: “Nosso estudo demonstra como experimentos de laboratório podem ajudar a fechar a lacuna entre a teoria e a observação, aprimorando nossa compreensão de objetos astrofísicos a partir de telescópios em satélites e solo. Também ressalta a importância da colaboração entre instalações experimentais ao redor do mundo, especialmente em explorar novos caminhos para acessar regimes físicos cada vez mais extremos.”
O Universo Primordial e a Origem do Magnetismo
Os resultados levantam novas questões sobre como tal campo magnético poderia ter se formado. Acredita-se que o Universo primitivo era altamente uniforme, portanto, a existência de campos magnéticos daquela era é difícil de explicar. Os pesquisadores sugerem que a resposta pode envolver física além do Modelo Padrão. Futuras observatórias, como o Observatório da Rede de Telescópios Cherenkov (CTAO), devem fornecer dados mais precisos para explorar essas teorias.
O co-investigador Professor Bob Bingham (Centro de Instalações de Laser STFC e Universidade de Strathclyde) afirmou: “Esses experimentos demonstram como a astrofísica de laboratório pode testar teorias do Universo de alta energia. Ao reproduzir condições de plasma relativístico em laboratório, podemos medir processos que moldam a evolução de jatos cósmicos e entender melhor a origem dos campos magnéticos no espaço intergaláctico.”
O co-investigador Professor Subir Sarkar (Departamento de Física, Universidade de Oxford) acrescentou: “Foi muito divertido fazer parte de um experimento inovador como este, que adiciona uma nova dimensão à pesquisa de ponta feita no CERN — esperamos que nosso resultado impressionante desperte o interesse da comunidade de plasma (astro)física para as possibilidades de sondar questões cósmicas fundamentais em um laboratório de física de alta energia terrestre.”
O projeto reuniu cientistas da Universidade de Oxford, do Centro de Instalações de Laser da STFC (RAL), CERN, do Laboratório de Energias a Laser da Universidade de Rochester, AWE Aldermaston, do Laboratório Nacional de Lawrence Livermore, do Instituto Max Planck de Física Nuclear, da Universidade da Islândia e do Instituto Superior Técnico em Lisboa.
