Alterações no traçado e nas obras
O consórcio AVAN Norte sugeriu mudanças significativas no projeto da linha de alta velocidade entre Porto e Oiã. Em Gaia, a estação de Santo Ovídio deixará de ser subterrânea, passando para Vilar do Paraíso em superfície. No Porto, a ideia de uma estação-ponte totalmente fechada em Campanhã foi abandonada, sendo substituída por uma passagem superior mais estreita, coberta, mas com “ventilação natural”. A cobertura parcial dos cais será mantida. A travessia do Douro também foi alterada, movendo-se de uma única ponte com dois tabuleiros para duas pontes independentes.
No Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), o consórcio explicou a escolha em Campanhã como uma abordagem com “dois edifícios principais” e descreveu a passagem superior como “ventilada naturalmente”, argumentando que isso oferece melhores condições de conforto térmico em períodos quentes. O documento também reconhece que a “solução inicial se baseava em um edifício-ponte monumental”, mas agora considera mais apropriada uma configuração que “dialoga de forma mais coesa” com o tecido urbano.
Reações políticas: novos autarcas desejam ouvir “todos os envolvidos”
A poucos dias de assumirem os cargos, os novos presidentes das Câmaras do Porto e de Gaia, Pedro Duarte e Luís Filipe Menezes, colocam o assunto como prioritário. Pedro Duarte mencionou ao JN que pretende “dialogar com todas as partes envolvidas, do Governo ao consórcio, passando pela Câmara de Gaia”. Menezes expressou sua intenção de acompanhar de perto o processo durante a noite da eleição, em 12 de outubro.
Criticas e pedidos de esclarecimento por especialistas
As mudanças provocaram críticas. O geógrafo Rio Fernandes, citado pelo JN, defendeu a permanência da estação em Santo Ovídio pela “centralidade e ligação às linhas Amarela e Rubi do metro”, argumentando que uma ponte ferroviária sobre o Douro seria suficiente, e que a travessia para veículos apenas congestionaria a estrada do Infante. O presidente da Ordem dos Engenheiros da Região Norte, Bento Aires, também se mostrou favorável à estação em Vilar do Paraíso, “mas com acesso ao metro”.
A especialista em mobilidade, Paula Teles, apontou “deficiências” no planejamento e destacou um alerta: “Lamento profundamente a situação atual. Todas as alternativas visam a redução de custos. É nosso dinheiro em jogo. Não há clareza se o ministro autorizou essas mudanças. Ou existe uma justificativa sólida ou tudo isso é surreal. Não há competitividade justa entre as empresas. Com essas alterações, outras empresas poderiam ter participado do processo. Pensávamos que estávamos descarbonizando… É uma mudança drástica, e ficaremos com redes desarticuladas.”
O bastonário da Ordem dos Arquitetos, Avelino Oliveira, enfatizou a necessidade de evitar atrasos na obra e demonstrou disposição para “contribuir para o debate”, ressaltando que é hora do consórcio esclarecer suas questões e os novos responsáveis políticos se manifestarem.
Governo aguarda a posição da IP
No Parlamento, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, declarou que “o momento da avaliação será quando a Infraestruturas de Portugal (IP) apresentar ao Governo sua visão sobre a proposta legítima do consórcio privado” e acrescentou: “Ainda não tomei nenhuma decisão, nem eu, nem o secretário de Estado (Hugo Espírito Santo)”.
Conforme informações disponíveis, ainda faltam documentos a serem entregues pelo consórcio. Após a entrega, a IP terá um prazo de 60 dias para se manifestar sobre as alterações.
Expropriações e impactos no território
O RECAPE contabiliza 230 expropriações, envolvendo residências e empresas no trecho Porto-Oiã, afetando principalmente Canelas e Grijó/Serzedo, no município de Gaia. O traçado principal agora se estende a 71 quilómetros, com mais 16,6 quilómetros até Canelas, aumentando a área impactada de 416 para 535 hectares. Estão previstos 26 pontes e viadutos e oito túneis.
O consórcio argumenta que a nova solução resulta de uma “evolução natural do projeto”, oferecendo maior detalhamento técnico e melhorias “ambientais e funcionais” ao racionalizar túneis e viadutos. A Associação da Zona Industrial de São Caetano, situada próxima à solução proposta para Vilar do Paraíso, expressou sua insatisfação, considerando o processo pouco transparente e afirmando que “a tomada de decisões estratégicas deve ser responsabilidade do Estado, e não do consórcio”.
Financiamento e números-chave
Em julho, foi assinado um contrato de concessão entre a IP e o AVAN Norte, sendo apresentado o financiamento do Banco Europeu de Investimento: 875 milhões de euros na primeira tranche, parte de uma linha total de três mil milhões de euros aprovada. Este contrato é mencionado como o maior individual do BEI este ano no âmbito do InvestEU.
A fase inicial da ligação a Lisboa corresponde ao trecho Porto-Oiã, com o objetivo de estabelecer a viagem entre Porto e Lisboa em 1h15 quando todo o percurso estiver operacional.
Próximos passos
As propostas do consórcio estão no RECAPE, atualmente em consulta pública. No Porto, o consórcio e os serviços municipais já discutiram questões de mobilidade e habitação, incluindo possibilidades de realojamento em Noêda para casos de expropriações. Em Gaia, após as eleições, a expectativa em torno da posição do novo executivo aumenta.
Com o assunto marcando o início do mandato em Porto e Gaia e a avaliação formal pendente da IP e do Governo, o projeto de alta velocidade adentra uma fase decisiva de opções técnicas, impactos locais e prazos europeus.
