Por Francisco Torres, advogado estagiário da Dower Law Firm

No dia 10 de Outubro, celebramos o Dia Mundial da Saúde Mental, que tem como objetivo principal combater preconceitos e estigmas, bem como promover o conhecimento e a literacia sobre a saúde mental. Vivemos em uma era de conetividade sem precedentes, em que temos acesso a informações a uma velocidade esmagadora. No entanto, paradoxalmente, nos sentimos cada vez mais exaustos, ansiosos e isolados. As doenças mentais, por conseguinte, tornaram-se uma verdadeira “pandemia do século XXI”.

A pressão constante do dia a dia gera altos níveis de estresse, redução das horas de sono e um aumento no isolamento social, criando um ambiente propício para o surgimento de problemas mentais, além de agravar condições já existentes. Essa atmosfera hostil pode levar a descompensações em transtornos graves, como episódios psicóticos relacionados à privação de sono e estresse intenso, ou prejudicar o julgamento e a orientação em situações de solidão.

Embora esses casos não sejam exclusivos de nossa época e não haja evidências científicas sobre um aumento estrutural, o contexto atual pode, de fato, precipitar surtos psicóticos e descompensações. A crescente cobertura da mídia dificulta a ignorância acerca das tragédias causadas por indivíduos que, no momento dos eventos, estavam longe de sua plena consciência.

Nesses casos, o sistema jurídico-penal prevê um tratamento diferenciado. Um dos princípios da nossa legislação é a inimputabilidade por anomalia psíquica, que determina que uma pessoa não pode ser responsabilizada se, no momento do ato, não conseguia compreender a ilicitude de sua conduta ou determinar-se de acordo com essa compreensão. Ao contrário do que muitas vezes se diz, a diferença no tratamento não se traduz em absolvição: a conduta continua sendo considerada típica e ilícita, mas a resposta do sistema se concentra nas medidas de segurança voltadas para a cura, tratamento e prevenção da perigosidade.

Se verificados os requisitos legais, essas medidas podem incluir o internamento do indivíduo em instituições específicas. Em um tema tão sensível, onde as situações vulneráveis dos envolvidos frequentemente acarretam violações dos mais básicos direitos, liberdades e garantias, a Lei da Saúde Mental, aprovada em 2023, foi um avanço significativo: extinguiu a possibilidade de internamentos sem prazo definido para os inimputáveis, estabelecendo um limite que não pode ultrapassar a pena abstrata do crime, com a condição de que a medida cessará tão logo desapareça a perigosidade.

Adicionalmente, a lei fortaleceu direitos e garantias, como a autonomia terapêutica e a figura da pessoa de confiança, e clarificou o regime de tratamento involuntário sob supervisão judicial, promovendo respostas mais proporcionais, temporárias e respeitosas da dignidade humana. Esta é a verdadeira justiça: é imprescindível que não tratemos como iguais aqueles que atuam sem consciência do ato (e, portanto, sem culpa) e aqueles que agem com plena compreensão – isso não pode ser aceito em um Estado de Direito. Devemos tratar de forma equitativa o que é igual e de forma diferenciada o que é diferente.

Neste dia, recordemos que Justiça e Saúde não são opostas, mas complementares. Quando a doença afeta a culpa, a resposta do nosso sistema deve ser, acima de tudo, clínica e proporcional. É nossa responsabilidade rejeitar o estigma e as generalizações. Precisamos proteger a comunidade, oferecer cuidado a quem precisa e afirmar, de maneira coerente, que, em um Estado de Direito, não existe pena sem culpa.

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