O Governo pretende limitar o acesso dos médicos ao trabalho em regime de prestação de serviços (comumente conhecido como trabalho à tarefa) no Sistema Nacional de Saúde (SNS). A proposta do Ministério da Saúde abrange tanto os médicos efetivos quanto os recém-especialistas, conforme reporta esta sexta-feira o semanário Expresso, que teve acesso à versão preliminar do projeto de decreto-lei que será apresentado ao Conselho de Ministros em setembro.

Assim, os médicos que se desvincularem do SNS não poderão ser contratados para trabalhar em regime de prestação de serviços durante os três anos seguintes à sua saída do SNS, independentemente do motivo da desvinculação, que pode ser “denúncia, revogação por mútuo acordo, rescisão unilateral ou aposentação antecipada”. Também não poderão atuar os médicos que se recusarem a realizar horas extras além das legalmente estipuladas (ou seja, 150 ou 250 horas extraordinárias por ano) ou que estejam dispensados de realizar atendimentos de urgência (benefício aplicável a partir dos 55 anos de idade).

Além disso, o governo busca evitar a fuga de médicos recém-especialistas, ou seja, aqueles que acabaram sua formação na especialidade. Os jovens médicos que não se apresentarem a “concurso de colocação no SNS” ou que rejeitarem a colocação em determinado serviço após serem selecionados, não poderão trabalhar no SNS em regime de prestação de serviços. Os médicos que optarem por não escolher nenhuma especialidade — os chamados médicos indiferenciados — permanecerão aptos a prestar serviços em regime de tarefa nas urgências.

Contudo, o diploma em elaboração pelo Ministério da Saúde prevê que nenhuma das incompatibilidades possa ser aplicada em situações de “autorização excecional” e em casos de necessidade imperiosa. Trata-se de uma estratégia legislativa que, na prática, já é empregada por muitas Unidades Locais de Saúde (ULS) para garantir o preenchimento das escalas nas urgências hospitalares face à falta de médicos.

A dependência dos hospitais em relação aos médicos tarefeiros tem crescido ao longo dos anos, alcançando um recorde no ano passado. Em 2024, a despesa ultrapassou, pela primeira vez, a marca de 200 milhões de euros — totalizando 213,3 milhões de euros, de acordo com dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Isso representa um aumento de 11% em comparação com os 191,8 milhões gastos com médicos tarefeiros em 2023. Os gastos com os médicos prestadores de serviços estavam em 160,5 milhões de euros em 2022.

Além do regime de incompatibilidades em discussão (que exigirá dos médicos que desejam trabalhar à tarefa a assinatura de uma declaração “sob compromisso de honra”), o Governo também planeja aprovar uma portaria que estabelece um teto máximo para o valor/hora a ser pago aos médicos tarefeiros. O intuito é que as ULS não ofereçam remunerações em serviços de urgência que podem ser quatro a cinco vezes superiores às oferecidas aos médicos efetivos, chegando a até 150 euros por hora.

Os diplomas ainda precisarão ser discutidos com os sindicatos, mas, para a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), as incompatibilidades propostas pelo Ministério da Saúde podem afastar ainda mais médicos do SNS, direcionando-os para o setor privado. “Os médicos que saem continuarão a sair e alimentarão ainda mais o setor privado, e provavelmente é isso que o Governo deseja”, afirma Joana Bordalo e Sá ao Observador, considerando as restrições no trabalho à tarefa “uma manobra de castigo aplicada aos médicos”.

“Este não é o verdadeiro problema do SNS, nem esta é a solução. A solução é proporcionar condições aos médicos e reter profissionais no Serviço Nacional de Saúde”, defende a líder da FNAM.

Por sua vez, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos ressalta que a intenção do decreto-lei é “positiva”, pois “reduz a precariedade e pode aumentar o número de contratos de trabalho” no SNS. “Parece haver uma medida estrutural para alterar a dependência das urgências em relação a prestadores de serviços,” destaca Nuno Rodrigues.

No entanto, ele alerta que o Governo optou pela “via da penalização” em vez de buscar incentivos e critica o fato de que médicos efetivos (que também realizam trabalho à tarefa) sejam penalizados. “Se a intenção é penalizar quem está no SNS, estamos frontalmente contra,” afirma.

Nuno Rodrigues adverte ainda que o regime de incompatibilidades proposto pode ter efeitos adversos a curto prazo, pois pode gerar lacunas nas urgências, afetando especialmente as regiões com maior carência de profissionais, como o sul do país. “O impacto deste diploma será desigual, podendo afetar mais negativamente áreas como Lisboa e o Algarve,” conclui.


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