Quando a poeira se adere a uma superfície ou uma lagartixa caminha pelo teto, isso acontece graças ao que os cientistas chamam de “cola invisível da natureza”. Pesquisadores da Universidade Chalmers de Tecnologia, na Suécia, desenvolveram um método rápido e simples para observar essas forças ocultas que unem os menores objetos do universo. Ao combinar ouro, água salgada e luz, eles criaram uma plataforma especial onde essas forças podem ser visualizadas como padrões coloridos.

Em um dos laboratórios de física da Chalmers, a estudante de doutorado Michaela Hošková demonstra a configuração. Ela segura um recipiente de vidro cheio de milhões de flocos microscópicos de ouro suspensos em uma solução salina. Com uma pipeta, ela coloca uma única gota desse líquido em uma placa de vidro revestida de ouro posicionada sob um microscópio óptico. Quase imediatamente, os flocos de ouro são atraídos para a superfície, mas param momentos antes de tocá-la, deixando para trás lacunas extremamente finas medidas em nanômetros. Esses pequenos vazios atuam como minúsculas armadilhas de luz, fazendo com que a luz se reflita de volta e para frente, produzindo cores vívidas. Quando iluminados pela lâmpada halógena do microscópio e analisados através de um espectrômetro, a luz se separa em diferentes comprimentos de onda. Na tela conectada, os flocos brilham e mudam entre tons de vermelho, verde e ouro à medida que se movem pela superfície.

Estudando a ‘cola da natureza’ usando luz aprisionada em cavidades minúsculas

“O que estamos vendo é como as forças fundamentais da natureza interagem entre si. Através dessas pequenas cavidades, agora podemos medir e estudar as forças que chamamos de ‘cola da natureza’ — o que une objetos nas escalas mais pequenas. Não precisamos intervir no que está acontecendo, apenas observamos os movimentos naturais dos flocos,” diz Michaela Hošková, estudante de doutorado do Departamento de Física da Universidade Chalmers de Tecnologia e primeira autora do artigo científico na revista PNAS em que a plataforma é apresentada.

A luz confinada dentro dessas cavidades nanoscópicas permite que os cientistas explorem um delicado equilíbrio entre duas forças concorrentes: uma que puxa os flocos em direção à superfície e outra que os empurra para longe. A força atrativa, conhecida como efeito Casimir, faz com que os flocos de ouro se aproximem e se dirijam ao substrato. A força eletrostática oposta, gerada pelas partículas carregadas na solução salina, impede que eles se unam completamente. Quando essas forças alcançam um equilíbrio perfeito, um processo denominado auto-organização ocorre, criando as cavidades que tornam esse fenômeno visível.

“As forças em escala nanométrica afetam como diferentes materiais ou estruturas são montados, mas ainda não entendemos totalmente todos os princípios que regem essa complexa auto-organização. Se compreendêssemos plenamente, poderíamos aprender a controlar a auto-organização em escala nanométrica. Ao mesmo tempo, podemos obter insights sobre como os mesmos princípios governam a natureza em escalas muito maiores, até mesmo sobre como as galáxias se formam,” afirma Michaela Hošková.

Flocos de ouro tornam-se sensores flutuantes

A nova plataforma dos pesquisadores da Chalmers é um desenvolvimento de vários anos de trabalho no grupo de pesquisa do Professor Timur Shegai, no Departamento de Física. A partir da descoberta de quatro anos atrás de que um par de flocos de ouro cria um ressonador auto-organizado, os pesquisadores desenvolveram agora um método para estudar várias forças fundamentais.

Os pesquisadores acreditam que a plataforma, na qual os flocos de ouro auto-organizados agem como sensores flutuantes, pode ser útil em muitos campos científicos diferentes, como física, química e ciência dos materiais.

“O método nos permite estudar a carga de partículas individuais e as forças que atuam entre elas. Outros métodos para estudar essas forças muitas vezes requerem instrumentos sofisticados que não podem fornecer informações em nível de partículas,” diz o líder da pesquisa, Timur Shegai.

Pode fornecer novos conhecimentos sobre tudo, desde medicamentos até biossensores

Outra forma de usar a plataforma, que é importante para o desenvolvimento de muitas tecnologias, é obter uma melhor compreensão de como partículas individuais interagem em líquidos e se permanecem estáveis ou tendem a grudar umas nas outras. Isso pode fornecer novos insights sobre os caminhos dos medicamentos pelo corpo, ou como desenvolver biossensores eficazes, ou filtros de água. Mas também é importante para produtos do dia a dia que você não quer que se aglomerem, como cosméticos.

“O fato de a plataforma nos permitir estudar forças fundamentais e propriedades dos materiais mostra seu potencial como uma plataforma de pesquisa realmente promissora,” diz Timur Shegai.

No laboratório, Michaela Hošková abre uma caixa contendo uma amostra final da plataforma. Ela a levanta com pinças e mostra como é fácil colocá-la no microscópio. Duas finas placas de vidro seguram tudo que é necessário para estudar a cola invisível da natureza.

“O que acho mais empolgante é que a própria medição é tão bonita e fácil. O método é simples e rápido, baseado apenas no movimento dos flocos de ouro e na interação entre luz e matéria,” diz Michaela Hošková, aproximando o microscópio de um floco de ouro, cujas cores revelam imediatamente as forças em jogo.

Como os pesquisadores estudam a ‘cola invisível da natureza’

Flocos de ouro com aproximadamente 10 micrômetros de tamanho são colocados em um recipiente cheio de uma solução salina, ou seja, água contendo íons livres. Quando uma gota da solução é colocada sobre um substrato de vidro coberto de ouro, os flocos são naturalmente atraídos para o substrato e cavidades de tamanho nanométrico (100-200 nanômetros) aparecem. A auto-organização ocorre em decorrência de um delicado equilíbrio entre duas forças: a força de Casimir, um efeito quântico diretamente mensurável que faz com que os objetos sejam atraídos uns aos outros, e a força eletrostática que surge entre superfícies carregadas em uma solução salina.

Quando uma simples lâmpada halógena ilumina as minúsculas cavidades, a luz dentro delas é capturada como se estivesse em uma armadilha. Isso permite que os pesquisadores estudem a luz mais de perto usando um microscópio óptico conectado a um espectrômetro. O espectrômetro separa os comprimentos de onda da luz para que diferentes cores possam ser identificadas. Ao variar a salinidade da solução e monitorar como os flocos mudam sua distância em relação ao substrato, é possível estudar e medir as forças fundamentais em ação. Para evitar que a solução salina com os flocos de ouro evapore, a gota de flocos de ouro e salina é selada e, em seguida, coberta com outra placa de vidro.

A plataforma foi desenvolvida no Laboratório de Nanofabricação da Chalmers, Myfab Chalmers, e no Laboratório de Análise de Materiais da Chalmers (CMAL).

Mais sobre a pesquisa

O artigo científico “Auto-organização Casimir: Uma plataforma para medir interações de superfície em escala nanométrica em líquidos” foi publicado na PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences). Ele foi escrito por Michaela Hošková, Oleg V. Kotov, Betül Küçüköz e Timur Shegai do Departamento de Física da Universidade Chalmers de Tecnologia, na Suécia, e Catherine J. Murphy do Departamento de Química, da Universidade de Illinois, nos EUA.

A pesquisa foi financiada pelo Conselho de Pesquisa Sueco, pela Fundação Knut e Alice Wallenberg, pelo Centro Vinnova 2D-Tech e pela Área de Avanço em Nanotecnologia da Universidade Chalmers.

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