Por Vânia Borges, directora de Recursos Humanos da Adecco Portugal
A proposta de trabalhar menos horas e, ainda assim, ser mais produtivo pode parecer, à primeira vista, contraditória. No entanto, nos últimos anos, este debate tem-se revelado um dos mais instigantes e transformadores no mundo do trabalho. A semana de quatro dias está a evoluir de uma experiência pontual para uma alternativa viável e as suas consequências já têm impacto nas empresas portuguesas.
As organizações que experimentaram este modelo em países como o Reino Unido, Islândia ou Bélgica relataram aumentos consistentes em produtividade, bem-estar emocional e na retenção de talentos. Em Portugal, o debate ganhou força com os projetos-piloto recentemente iniciados, especialmente no setor dos serviços. Mas será este modelo aplicável a todas as organizações? E será, de fato, este o caminho do futuro?
É importante afastar visões simplistas: a semana de quatro dias não é uma solução mágica, mas também não é uma moda passageira. Os testes realizados até agora mostram resultados promissores, mas revelam algo que já se sabia: o sucesso de qualquer mudança no tempo de trabalho depende menos do calendário e mais da cultura organizacional. Isso envolve como a empresa está estruturada, como se comunica, lidera, mede resultados e, acima de tudo, como confia nas suas pessoas.
Em ambientes com maturidade organizacional, equipas alinhadas, processos bem definidos e um foco claro em objetivos, a redução de dias de trabalho pode realmente levar a um aumento de produtividade. O que está em discussão não é trabalhar menos, mas sim trabalhar melhor, com mais foco, autonomia e significado.
A aplicabilidade deste modelo, no entanto, varia. Setores com maior flexibilidade funcional e uma forte componente tecnológica, como serviços profissionais, TI, marketing ou consultoria, têm melhores condições para implementar este modelo sem rupturas. Por outro lado, setores como indústria, retalho, saúde e logística enfrentam desafios evidentes, não por falta de vontade, mas devido a necessidades operacionais que exigem presença contínua. Isso não significa que esses setores não possam participar da conversa, mas que precisam de abordagens adaptadas, como modelos de rotação, reforço de equipas, reorganização de horários ou soluções híbridas que considerem as particularidades de cada operação.
No entanto, mais importante do que o “onde”, é o “como”. Um dos maiores riscos na adoção da semana de quatro dias é implementá-la como uma medida isolada, sem qualquer transformação cultural prévia. Reduzir a carga horária sem repensar processos, lideranças e formas de medir desempenho é como ajustar os ponteiros do relógio sem tocar no mecanismo. O resultado pode ser contraproducente: mais stress, menos alinhamento e a sensação de que se deve fazer o mesmo… em menos tempo.
Aliás, em muitas organizações, o verdadeiro problema não está na quantidade de horas trabalhadas, mas sim no desperdício de tempo. Reuniões desnecessárias, burocracia, falta de foco e prioridades claras continuam a drenar energia e minar a produtividade real. Trabalhar menos só resulta em mais quando existe uma cultura de responsabilidade compartilhada, objetivos bem definidos e equipas capazes de tomar decisões com autonomia.
Esta transformação exige mais do que apenas boa vontade; exige liderança. E é aqui que os Recursos Humanos desempenham um papel crucial. Eles são os responsáveis por acompanhar as equipas, redesenhar funções, formar líderes, ouvir e criar espaços para que as pessoas se adaptem e evoluam. A implementação da semana de quatro dias, se ocorrer, deve ser acompanhada por uma escuta ativa e abertura para ajustes conforme necessário. Os RH devem ser vistos não apenas como suporte, mas como motor de mudança.
A maneira como gerimos o tempo de trabalho está diretamente relacionada à saúde das organizações: à motivação das equipas, à capacidade de inovar e à forma como cada indivíduo se relaciona com a empresa onde trabalha. Num mercado onde o talento é escasso e onde as novas gerações priorizam o equilíbrio e o propósito em suas escolhas, repensar o tempo de trabalho não é um luxo, mas uma necessidade estratégica.
A semana de quatro dias pode não ser adequada para todas as empresas, nem será uma solução universal. No entanto, talvez o mais importante não seja o número de dias em si, mas sim a coragem de questionar o modelo atual e redesenhar o trabalho com mais foco, inteligência e respeito pelo tempo — o nosso e o dos outros. E quando essa transformação ocorre, trabalhamos menos, mas vivemos e produzimos mais e melhor.
