A VIVA teve a oportunidade de estar à conversa com um dos talentos emergentes da comédia nacional. João Dantas já passou pelo Pi100Pé, Levanta-te E Ri e tem ganho cada vez mais relevância no contexto do stand-up comedy em Portugal.
Desde o início no stand-up, à sua paixão pelo futebol, passando ainda pelos hobbies de eleição, leia em baixo a entrevista na íntegra com João Dantas.
Recuando um pouco no tempo, pergunto se o João Dantas com 10 anos já tinha o bichinho da comédia? É algo inato ou foi desenvolvendo com o tempo?
O João Dantas com 10 anos sonhava ser jogador de futebol, já desconfiando que não tinha a devida habilidade para o efeito. Nunca pensei virar-me para a comédia, para ser sincero. Foi uma coisa que foi surgindo, a malta dizia que eu era engraçado, eu gostava de fazer sorrir os outros e foi-se encaminhando até onde estou hoje. Nunca planeei nada nem nunca foi uma profissão como objetivo, até porque era difícil considerá-lo como uma profissão para a minha família. Para mim, é.
Por falar em família, como foi o momento em que disse “eu quero ser comediante”?
A reação foi tranquila, porque eu tinha para aí 18 anos e disseram-me para lutar pelos meus sonhos e não havia problema nenhum. Quando eu cheguei aos 20 e tal e ainda não tinha muitos resultados, aí houve algum problema. Diziam-me “ok, queres ser comediante, é muito giro, mas e um part-time?”. Eu fui teimoso e resultou, felizmente.
Em contexto social, há pessoas muito engraçadas, mas isso é diferente de ser humorista. O que é que achas que difere uma coisa da outra?
Eu vou dizer isto com cordialidade e respeito que esta circunstância exige, porque basicamente é coragem. Não acho que há muito mais que diferencie. Poderia usar um termo mais português, mas coragem acho que é melhor um bocadinho. Basta isso. Se tiveres o à vontade de falar em público, és engraçado com os teus amigos mas também fora do vosso contexto conhecido. Se tens capacidade de comunicação para 10 pessoas, vais conseguir amplificá-la para 1000, 2000, 3000.
Mas o processo de contar uma piada para 10 pessoas não varia um pouco, de quando contas para milhares?
Isto dá muitas discussões entre humoristas, porque eu tenho uma opinião um bocado diferente. Eu sinto-me mais confortável a contar uma piada para 5.000 pessoas do que para 50. Fruto de alguma insegurança que até tenho enquanto artista, penso em grande. Em 5.000 pessoas, a probabilidade de 100 gostarem é muito maior, do que em 100 agradares a 30 ou a 40. Quando há mais gente, mais provável é agradar a alguém. Quanto maior é a tua amostra, mais fácil é tu fazeres rir. Mas claro que isso já tem de nascer contigo, o à vontade em palco.
Ainda te lembras da tua primeira vez num palco?
Eu não me recordo muito bem, porque eu desde pequeno que participei nas festas da escola e nos saraus escolares. Cantava músicas de rap, dançava, logo a minha primeira experiência de palco se calhar já veio do 3º ou 4º ano. Tenho um CD gravado com músicas de hip hop muito estupendas, sobre ir à escola. Mas não me lembro da primeira vez ao certo. Se calhar é por isso que me sinto confortável, pois já estou habituado.
O João Dantas foi várias vezes destaque no Pi100Pé, projeto de Fernando Rocha. Vê nele uma referência? Há características no humor dele que goste de transportar para o seu?
Olhar para o Rocha pode ser muito simples ou muito complicado. Há malta que pensa que o Rocha só faz um tipo de humor e é muito aquilo. E nesse humor eu não consigo ir buscar referências para o humor que eu gosto de fazer. Agora, acompanhando o Fernando Rocha, sabe que ele é muito mais do que isso. Uma das maiores qualidades que eu admiro imenso nele é a capacidade de ser camaleão. Temos excelentes humoristas no nosso país, que são excelentes num registo. Metes num auditório e são incríveis, metes num evento corporativo ou num espetáculo ao ar livre e andam ali a escavar um bocadinho. O Rocha acho que é daqueles que se consegue adaptar a qualquer tipo de registo. Ele não depende do seu nicho ou do seu público. Ele faz rir toda a gente, onde estiver, nas condições que tiver.
Entre atuar ao ar livre ou atuar em salas, o que é que muda para o artista, naquela que é a preparação do espetáculo?
Eu acho que um artista, para conseguir atuar ao ar livre ou num evento corporativo, nesses registos fora de auditório, tem de ser um performer muito mais forte. Porque tens muito mais ruído, muito mais possíveis distrações, tens de ter o triplo da capacidade de conquistar o público. Às vezes, se calhar até te estão a ouvir, mas depois há qualquer coisa e já não te estão a ouvir, ou só ouvem o fim da piada. O artista tem de conseguir preencher muito mais o palco, com a sua alma e a sua entrega, do que com o que está a dizer. É muito mais difícil atuar fora do ambiente controlado. Geralmente, as pessoas estão todas sentadas, todas a ouvir-te, à partida quando vais a um auditório toda a gente já me conhece e tem interesse em perceber a minha forma de pensar. Ao ar livre, muitas vezes é malta que vai para ver o cantor X e antes é o humorista.
Para quem não o conhece, como define o seu humor?
O meu humor consegue ser caviar e barriguinha. Não sei bem explicar, mas no fundo procuro transformar temas difíceis em coisas fáceis de entender, mas também adoro o contrário. Pegar em coisas fáceis do dia a dia e torná-las em coisas difíceis. É barriguinha e caviar.
Já passou pelo “Levanta-Te E Ri”. Pergunto como surgiu a oportunidade e qual foi a influência que teve na sua carreira.
O “Pi100Pé” foi o projeto mais importante para a minha carreira, que me permitiu fazer salas grandes, atuar as primeiras vezes com amigos que na altura eram colegas com a profissão que eu sonhava ter. O “Levanta-Te E Ri” foi um selo de qualidade que eu não sabia que precisava, mas que me fez bem. Foi o sentir, por parte de família, amigos, quem gosta de mim, que eu realmente tinha alguma coisa e que merecia estar lá. Foi mais um prémio e foi importante para manter a confiança e continuar o trabalho. Foi muito importante para mim o “Levanta-Te E Ri”.
Foi esse o momento em que percebeu: ok, isto é a sério?
Para mim, a coisa sendo grande ou sendo pequena, eu quando meti na cabeça que queria fazer isto, eu soube que ia viver disto. Antes do “Levanta-Te E Ri”, eu já vivia da comédia. Já fazia para viver disto, até para parar de ouvir as críticas do “arranja um trabalho, não sejas malandro”. Sabia que ia resultar. O “Levanta-Te E Ri” não foi o levar mais a sério, mas com tão pouco tempo de carreira, foi perceber que, ao aterrar de pára-quedas na piscina dos grandes, sem qualquer tipo de formação, não me afoguei. Tenho muito para crescer, é claro, mas senti que era bom no que fazia. A confiança foi muito importante para mim, mas não por sentir que era mais ou menos a sério.
Sobre o processo criativo, o que te faz entender o que é uma boa e uma má piada?
Eu fio-me muito na minha persona e na minha forma de dizer as coisas. A piada pode não seguir uma estrutura predefinida, mas sei que da forma que a vou entregar, aquilo vai provocar a gargalhada. Às vezes, tu podes ler um texto meu e pensar que nem é nada de mais, mas depois é bem entregue. Também acontece o contrário, quando tenho boas piadas, que mais valia entregar a um colega, porque funcionava melhor com ele do que com a minha personagem em palco. Sobre o processo criativo, eu ao início escrevia, mas agora troquei. Sempre que passo por uma situação engraçada ou por algo que me intrigue, eu gravo um áudio a falar sobre esse assunto. Só um áudio, sem texto sem nada. Deixo o áudio durante 15 dias no meu telemóvel. Se, ao fim de 15 dias, aquilo provocar em mim vontade de rir, eu pego naquilo e testo em palco. Se não me fizer rir a mim, mesmo que os meus amigos gostem, eu não uso. Porque se não gosto não vou conseguir entregar com vontade e não vale a pena. A forma como eu testo é comigo, no fundo.
Então o que fascina mais é mesmo o palco?
Há artistas que adoram a criação e que se calhar, em palco, até ficam algo tensos, e preferem mais o processo. Para mim, é o palco. Se eu pudesse morar no palco, eu morava. Há espetáculos em que às vezes vou sem nada. Às vezes, corre muito bem, outras menos um bocadinho, mas adoro o palco.
Qual a reação mais inesperada que já teve em cima de um palco?
Nos espetáculos ao ar livre, eu apanho malta de muitas idades. No auditório, é sempre fascinante, porque a malta vai lá para ver o meu espetáculo e tenho reações muito gratificantes enquanto artista, desde aplausos de pé a gargalhadas que sei que são genuínas, não são forçadas. Isso é a melhor reação que se pode ter. Nos outros registos, tenho reações incríveis, desde chefes de empresa com quem brinquei demasiado ao longo dos espetáculos e eles levaram com um fair-play incrível e agradeceram, porque gostaram muito. Já tive de chamar crianças a palco, fiz-lhes algumas perguntas que achei que a criança poderia não saber, pois são questões da vida adulta. Depois, o facto delas responderem com um grau de sabedoria quase equiparado ao meu, porque eu sou um bocado parvo, isso surpreende-me muito. Quando perguntas a alguém de 3 ou 4 anos como se faz bebés, é engraçado porque às vezes têm uma resposta que não estavas à espera de ouvir e toda a malta se ri. Eu até penso que não devia ter perguntado, já que os putos hoje sabem tudo.
Também colabora com a SportTV, no projeto “Voz do Adepto”. Como tem sido abraçar este desafio, que acaba por ir ao encontro do sonho de menino do futebol?
Sim, concordo, o projeto permite-me estar perto do futebol, conhecer pessoas do futebol, conhecer jogadores profissionais que têm a minha idade, mas que, na nossa cabeça, são sempre mais velhos. Permitiu-me melhorar muito a minha capacidade de improviso e comunicação, já que aquilo é direto. Isso ajuda muito nos espetáculos e é fixe, porque sou um gajo que gosta de futebol, faço o meu trabalho, depois fico a ver os jogos todos, seja a minha equipa ou não. É com muito gosto que faço isso, pois permite-me juntar a comunicação e o futebol, que são duas coisas que eu gosto.
Assumidamente, é adepto do FC Porto. Vive o futebol ao ponto de uma derrota do Porto ser aquele “limite do humor” momentâneo?
Quando era miúdo, confesso que, quando o Porto perdia, eu não comia, era mesmo complicado. Se o Porto jogasse, eu não jantava, porque me ficava a doer a barriga. Depois, cresci um bocado, comecei a perceber mais ou menos as coisas, e depois quanto mais perto estás do mundo do futebol menos encanto ele tem. Sou um adepto ferrenho na mesma, adoro ir ver os jogos, mas até pelo meu trabalho, aprendi que não vale a pena chatices. Quando vou fazer jogos do Benfica eu grito golos do Benfica, quando vou fazer jogos do Sporting grito golos do Sporting. Às vezes, apanho adeptos que têm um bocadinho de vergonha e digo que grito com eles. Andamos lá a cantar, não tenho problema nenhum em ser profissional. Quando era miúdo, era diferente.
Vai apresentar o espetáculo “Sensação Sentimento”. Sem desvendar o mais importante, como descreve este show de stand up?
É complicado para mim descrever, pois é o espetáculo mais desafiante que eu vou ter até agora. Disseram-me para escrever um espetáculo de stand-up, para o montar, e eu perguntei-me: onde é que está a felicidade nisso? Onde está a loucura? Onde está a sensação e onde está o sentimento? Por isso, como gosto de queda-livre, eu disse que ia fazer o espetáculo, que sabia o que queria falar, mas vou na loucura. Ou seja, o espetáculo tem uma linha condutora, que é para não defraudar as expectativas de ninguém e manter a qualidade do trabalho, mas o espetáculo depende muito também das pessoas que forem assistir. Neste momento, não consigo fugir muito do tema de eu ter casado há pouco tempo. Há partes que ainda não abordei disso e é um espetáculo aconselhável a quem já casou, está a pensar casar ou já foi a um casamento, que é para dar para todos. Depois, é uma experiência gira, é diferente do que já se viu ao vivo. O público pode fazer perguntas e haverá uma resposta com aquele sarcasmozinho interessante, com que eu gosto de comunicar. Acho que vai ser muito agradável.
O que é que mais acha piada e o que é que não acha graça nenhuma?
Não há nada de específico que me faça rir. Por isso é que o riso é tão interessante e eu continuo tão motivado a fazer isto. Depois de descobrir a receita, talvez me chateie um bocado. Tudo me faz rir, há coisas bem construídas que não me fazem rir e, depois, a minha namorada tropeça à minha frente e eu parto-me a rir. Ainda não encontrei o que é que me faz rir. Há muita coisa que me faz rir. Sou muito crítico, mesmo comigo próprio, sei ver o que é bom e o que não é. Mas não há nada em específico que me faça rir. O que não me faz mesmo rir também não sei. Às vezes, há coisas más que me fazem rir, é numa base de ir fazendo coisas e ver se eu estou a rir ou não.
Quais os hobbies/interesses fora da comédia?
Isto agora é que entra numa parte complicadíssima, porque eu sou um ser humano que roça o desinteressante a vários níveis. A comédia é o que eu gosto de fazer, mas é o meu trabalho. Separo bem as coisas, de maneira a ter sucesso profissional e sucesso pessoal. Não abdico da minha vida para ser um excelente humorista, como também não abdico da comédia. Mas o que eu mais gosto de fazer, fora do humor, é na base das coisas manuais. Não tem nada a ver com comunicação. Quando estou sozinho ou no meu tempo, o que eu gosto de fazer é estar calado. É uma coisa genial. Fico caladinho, adoro flores, adoro a natureza, adoro ar livre, adoro construir as minhas coisas. Pinto uns quadros, faço umas telas, invento uns candeeiros, fiz uma boa bicicleta… não anda, mas eu tentei. Eu tenho uma pequena oficina aqui em casa, onde tudo o que são ferramentas eu tenho. Adoro construir coisas, trabalhos manuais. Construo tudo o que possas imaginar, pelo menos consigo tentar. Depois, gosto muito de ar livre. Cortar relva, árvores. É bricolage e jardim, eu sou o Leroy Merlin em pessoa.
Então acaba por responder à próxima pergunta que lhe ia fazer, que era se tinha algum talento escondido.
Atenção! Não sei se podemos considerar isto um talento, porque é assim, eu faço as coisas. Se são 100% funcionais ou úteis, não sei, mas que faço, faço. Mas vá, pode considerar-se um hobby/talento. Apanho restos de coisas e construo.
Para acabar, o que falta cumprir ainda no mundo da comédia?
Eu não tenho objetivos de algo que me faltasse mesmo cumprir. Tenho a certeza de que o que me falta cumprir, no mínimo dos mínimos, são mais 30 anos disto. O objetivo é ter longevidade e sempre com as pessoas a gostar do que eu faço e eu a gostar do que eu faço, sentindo que sou capaz de fazer rir as pessoas. Se me perguntares se o meu sonho é atuar em X salas, o meu sonho é sempre ter gente à minha frente. Onde? Não me interessa. Enquanto a malta vier, o meu objetivo é esse.