A VIVA teve uma conversa com Rui Veloso, um dos artistas mais emblemáticos da história da música portuguesa, que já acumula 45 anos de carreira. Desde os sucessos “Porto Sentido” e “Chico Fininho” até a sua música atual, foi possível conhecer melhor o músico portuense.
Já lá vão 45 anos de carreira. Se recuarmos até ao início desse percurso, o que é que mudou na vontade do Rui de fazer música?
Até é mais, já estou quase a fazer 46, no princípio do ano que vem! O que mudou foi a idade. Não é a mesma coisa, é muito diferente uma pessoa ter 19 ou 20 anos e ter 68. É muito diferente. Continuo com a curiosidade de ouvir músicas e de tocar, descobrir sequências harmónicas novas, fazer canções aqui e acolá. Mas mudou bastante, o entusiasmo de quando se é novo é diferente de quando se é velho.
Diria que antes fazia mais numa de querer singrar e hoje mais pelo prazer?
Eu nunca quis singrar. O que eu queria era fazer boas músicas e gravar uns discos bons, ter um bom som. Esse era o meu objetivo. E depois fazer bons espetáculos, isso é que era. Se eu singrava ou não, nunca se sabe.
Por falar em 45 anos, vai celebrá-los na Super Bock Arena, no Porto. O que é que podemos esperar de diferente deste espetáculo de aniversário, face aos restantes?
Aproveitei ter feito espetáculo ali nas escadas da Assembleia da República e os arranjos feitos pelo John Beasley. Em vez de fazer um Pavilhão Atlântico, optei por uma abordagem mais fundamentada, com boas condições e bom som. Os arranjos são muito bons e a banda toca muito bem. Vou também incluir algumas músicas que não costumo fazer, aproveitando os arranjos do Bernardo Sassetti. Espero que seja um espetáculo bonito e que as pessoas saiam de lá bem dispostas.
O Rui já atua há décadas. Ainda fica nervoso? Algum ritual que tenha antes?
Não, não fico nada nervoso! Fiquei durante muitos anos, mas, de um dia para o outro, num concerto no Coliseu de Lisboa, percebi que não estava nervoso. Desde então, nunca mais senti isso. Ao longo de 30 anos, essa ansiedade influenciava muito a minha performance. Era difícil para mim.
E como é que geria esses nervos durante 30 anos?
Na segunda música, eles passavam. A tensão persiste um pouco durante o espetáculo, mas a pessoa vai relaxando se tudo correr bem; se correr mal, a tensão fica até ao fim. O espetáculo ao vivo é um equilíbrio constante.
Disse que nunca tocou para singrar, mas consegue definir o momento em que percebeu: “Ok, isto vai ser a minha profissão”?
Foi por volta de 1986/87. Durante 6 ou 7 anos estive na dúvida, sem saber se ia dar certo. Após o disco com “Porto Sentido” e “Porto Covo”, percebi que tinha ido bem. As pessoas gostaram muito, e isso deu-me a confiança para continuar a fazer isto.
São poucos os artistas que dão voz a canções que transcendem o tempo, e o Rui é um deles. Assusta-o saber o impacto que já teve em tantas pessoas?
Fico espantado, mas não me assusta. Sei que as canções ganham autonomia e deixam de ser minhas para as pessoas. Fico contentíssimo, porque eu também me aproprio de muitas canções que adoro.
Em entrevistas anteriores, chegou a dizer que a fama tira mais do que dá. Qual foi a sua maior dificuldade com essa parte da vida de artista?
Profissionalmente, nada. Pessoalmente, é complicado. Deixar de fazer coisas porque não consigo ir a concertos com a malta. Muitas vezes, deixei de ir porque não consigo ver o espetáculo com as pessoas a quererem tirar fotos. É na esfera pessoal que enfrento essas dificuldades.
Mesmo nessas partes mundanas do dia-a-dia, consegue sempre ser o Rui em vez de ser o artista Rui Veloso que as pessoas esperam?
Eu sou sempre a mesma pessoa. Em cima do palco, sou igual a quando não estou a tocar. Não consigo dissociar os dois, mesmo que muitos vejam uma versão diferente de mim.
Como olha hoje para o impacto que “Chico Fininho” e outros hits tiveram na música portuguesa?
Não sinto que tenha marcado a música portuguesa. Sinto que tinha muita apetência para diferentes sonoridades, mas não vejo que tenha mudado a música portuguesa em geral. O blues está sempre presente na minha música, mas não puxei muitos artistas para esse caminho.
Por falar nos seus hits, por vezes não se cansa de uma canção enquanto performer, após décadas a tocá-la?
Claro. Contudo, cada concerto é diferente, e nunca toco as músicas da mesma forma. Tento nunca cantar da mesma maneira, porque tenho aversão à rotina. Mesmo após 45 anos a tocar “Chico Fininho”, ainda me divirto com isso.
Acontece-lhe ter aqueles fãs que vão ao concerto e esperam sempre “aquela” versão?
É normal. Mas o “Chico Fininho”, por exemplo, há 40 anos que não o toco igual ao disco. O meu som agora é mais blues do que era no início.
Não é Pai do Rock, mas já disse que era “Filho” do Rock…
Claro, sou filho e neto!
O Rui interpreta aquele que é o maior hino da cidade do Porto: o “Porto Sentido”. Sente hoje o Porto, tal como a música descreve?
Não é o maior hino; é uma canção sobre o Porto e o que é ser do Porto. Esta música faz parte da paisagem portuense. O Porto é muito diferente agora e tem partes que não gosto. A canção não fala só da paisagem física, mas também da paisagem humana do Porto.
Sente essa “alma” sempre que toca no Porto?
Sim, sinto-me em casa. No Porto, há um sentimento de pertença, mas em todo o lado sou bem-recebido.
Falava dos muitos sítios onde já passou. Há algum concerto ou tour que recorde com especial carinho ou emoção?
Não, não existem tours organizadas em Portugal. Temos concertos conforme toca o telefone. Não há nada em particular a salientar.
Na música atual, nos últimos anos, é fã de alguém em particular?
Gosto de ouvir coisas diferentes. Não ouço muito pop, mas aprecio jazz, música portuguesa e brasileira.
De música portuguesa, o que é que vai ouvindo?
Ouvindo pouco. Tenho pena que a rádio pública não divulgue mais música portuguesa, desde o popular ao jazz. Vou à procura de música em plataformas de streaming.
Sendo o Rui um músico na verdadeira acepção da palavra, faz-lhe confusão hoje em dia ver que, para alguém ser bem-sucedido nesta área, já não precisa de ter tanto skill musical como antes?
Sim, hoje há menos necessidade de skill musical. A maior parte da música pop é feita por computador, e existe uma falta de alma. Espero que as pessoas voltem a apreciar a música artesanal.
Acha que isso se deve à sensação de que, hoje em dia, tudo é mais fácil?
Sim, não é apenas isso. A formação musical das pessoas é bastante limitada. Não existem mestres para formar uma personalidade artística. Agora, todos replicam tendências.
Então, é uma formação mais empírica a que se refere?
Sim, é empírica. As pessoas não têm o hábito de ouvir música e não aprendem a distinguir instrumentos.
Perante o que o Rui refere, como se diz “continua e não desistas” a alguém que aspira a ser artista?
Acho que é importante ter personalidade. Boa voz não chega. O artista deve ter algo a dizer e não ser efémero.
Até cada vez menos há artistas de carreira, não sei se concorda…
Concordo. Não há muitos. A composição é fundamental, mas em Portugal faltam escolas de composição.
Para alguém que já fez tanto, ainda há algum sonho ou projeto musical por realizar?
Sim, tenho conhecido músicos lá fora, com quem pretendo colaborar em projetos mais ligados ao blues e ao jazz.
