Nas organizações, seguimos acumulando dívidas, que começam no básico e se estendem ao essencial. Acabamos por carecer de muitas coisas, principalmente no que diz respeito à liderança.
Por Ricardo Caldeira, autor dos livros “Liderança Emocional”, “Cisnes Negros da Liderança” e “Ao Coração da Liderança”
Nos últimos tempos, tenho escrito e falado bastante sobre o básico. Sempre lamento ter que abordar esses temas, e muitas vezes me pego pensando que muitos de vocês estão do outro lado pensando: “mas isso é básico”. No entanto, a realidade é clara: ainda é necessário continuar a fazê-lo.
Se olharmos com atenção, é evidente que debatemos uma infinidade de assuntos, mas frequentemente de forma “estratosférica”, pulando direto para ideias inovadoras e disruptivas, enquanto nem sequer dominamos o básico. É como querer avançar no jogo sem passar pela casa de partida.
Especificamente no âmbito da liderança, rapidamente nos deparamos com modelos fora da caixa e soluções milagrosas, antecipando retornos extraordinários, mas esquecemos de dar o primeiro passo. Esquecemos do básico, como um simples “bom dia”, “precisa de ajuda”, “obrigado”, “bom trabalho”, “continua”, “acredito em ti”, “parabéns”…
Esta é uma enorme dívida que temos, e aqui se conecta com outro tema ao qual também tenho me dedicado: as questões não discutidas, mal discutidas e pouco discutidas no contexto da liderança. Apesar de o tema da liderança ser amplamente abordado, na minha visão, ou não se fala do que deveria ser falado, ou o faz-se de forma superficial ou inadequada (neste sentido de priorização e foco).
As pessoas, que são o núcleo das organizações, e as relações organizacionais exemplificam bem essa realidade. Fala-se muito sobre pessoas, mas muito pouco com elas. As suas reais preocupações permanecem sem discussão e resolução, exatamente porque não são debatidas adequadamente. Temos aqui uma segunda dívida, que, ao contrário do desejável, continua a se acumular.
Adicionalmente, trago à tona um ponto relevante que tenho reiterado: em uma época de crescente ênfase na “humanização dos robôs”, não paramos para refletir que o que realmente temos conseguido é a “robotização dos humanos”.
Não parece contraditório e, principalmente, contraproducente? Essa busca por algo grandioso se torna um lirismo, um idealismo, onde avançamos sem priorizar o básico. O essencial, aqui, é cuidar primeiro das pessoas, colocá-las no centro, convidá-las a participar, envolvê-las, ouvi-las, motivá-las e potencializá-las. Se não conseguimos ser humanos com os humanos, como podemos querer humanizar os robôs? Mais dívida…
Lideranças que curam
Recentemente, ao rever um filme antigo, lembrei-me de uma frase que se aplica perfeitamente à liderança e que gostaria de convidá-los a refletir.
“A grandeza de uma pessoa está na capacidade de curar, porque ferir é fácil e acessível a todos.”
De fato, ferir é simples e vemos isso com frequência. O papel de um líder é, também, o de curador. Deve se tornar um verdadeiro alquimista organizacional, o “Midas da Liderança”. Este é, possivelmente, um dos altos exemplos de humanização na liderança.
Precisamos de lideranças que curem, não daquelas que observamos por aí, destruidoras e indiferentes. O papel de um líder não se diminui ou desmerece ao ser humano – que, neste contexto, significa ser um curador. A diferença está na capacidade de curar, através de ouvir, sentir, participar, ajudar… só cura quem sente, e só sente aqueles que são emocionais, portanto, esta tarefa é reservada aos “Cisnes Negros da Liderança”. Pode parecer complexo ou “desnecessário”, mas para mim, isso é um dos básicos – pois, muitos necessitam de “cura”, mas existem poucos curadores. E na maioria dos casos, eles próprios são os que mais precisam dessa cura.
Continuamos a acumular dívida… No entanto, atenção, ninguém disse que seria fácil. Porém, que não restem dúvidas, não apenas é possível, como é desejável – e eu diria que é inevitável. Mas será necessária coragem. Será preciso não temer:
Não ter medo da felicidade, nem de pessoas felizes ao seu lado;
Não ter medo de novos líderes e até contribuir para a formação deles;
Não ter medo da comunicação (mas sim, e muito, do silêncio);
Não ter medo das emoções;
Não ter medo da vulnerabilidade (e não confundi-la com fraqueza);
Não ter medo do respeito (e respeitá-lo);
Não ter medo de ser humano (e ser humano);
Não ter medo, nem vergonha, de dizer parabéns, bom trabalho, ou precisas de ajuda.
Leia o artigo na íntegra na edição de Agosto (nº. 176) da Human Resources.
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