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Os incêndios florestais tradicionalmente não eram abordados nos programas eleitorais autárquicos, exceto quando aconteciam próximo das eleições, mas, desde o trágico ano de 2017, merecem uma atenção maior no contexto da proteção civil e dos riscos decorrentes das alterações climáticas.
“Os incêndios em Portugal costumam ser discutidos politicamente apenas enquanto estão a ocorrer. Num ano ‘normal’, após setembro, o assunto é geralmente esquecido. No entanto, este ano, com mais de 200 mil hectares ardidos, é evidente que o tema dos incêndios fará parte da campanha eleitoral,” prevê Joaquim Sande Silva.
O pesquisador do ecossistema de fogo no Centro de Investigação em Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (Cernas), do Instituto Politécnico de Coimbra, destacou a intensidade dos danos em certos municípios e a área queimada significativa.
Consequentemente, ele acredita que a questão dos incêndios estará claramente presente nas campanhas autárquicas de 12 de outubro.
O presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC), Duarte Caldeira, confirmou uma mudança no entendimento das responsabilidades municipais em relação à proteção civil e, em particular, aos incêndios florestais, que antes se limitavam aos apoios aos bombeiros.
“Após 2017, a responsabilidade dos municípios na proteção civil, além da administração central, foi muito mais enfatizada, resultando em um aumento significativo no investimento e na responsabilização dos autarcas”, explicou.
O incêndio florestal que começou em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande (distrito de Leiria) se espalhou para os distritos de Castelo Branco e Coimbra, resultando em 66 mortes e mais de 250 feridos. Em outubro do mesmo ano, outros 51 óbitos e mais de 70 feridos ocorreram em incêndios que afetaram 14 municípios em nove distritos.
Duarte Caldeira, ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, lembrou um estudo de 2013 sobre programas eleitorais em 10 concelhos que revelou um desinteresse significativo por medidas de proteção civil e intervenção em espaços florestais.
“Após os incêndios de 2017, houve um alerta para os municípios sobre sua gestão dos espaços florestais e rurais e a segurança das populações”, enfatizou Duarte Caldeira.
João Joanaz de Melo, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), admitiu que, em suas conversas com candidatos, não ouviu menções aos incêndios, embora compreenda a dificuldade do tema, onde as câmaras têm algumas competências, mas poucos recursos e conhecimento técnico.
“As diretrizes relativas ao ordenamento do território e pagamento de serviços ecossistêmicos deveriam ser nacionais, mas são limitadas, pouco estratégicas e carecem de recursos. Falta uma coordenação operacional de escala regional e sub-regional”, opinou.
Para Paulo Lucas, da direção da Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável, “o tema normalmente não aparece nas candidaturas, a menos que haja incêndios durante a campanha”.
“Isso está relacionado com as limitações das atribuições das câmaras municipais. Embora tenham responsabilidades em ordenamento do território, suas competências em proteção civil são limitadas ao nível concelhio, fazendo com que sejam meros espectadores do que ocorre”, observou Paulo.
“Os candidatos sempre mencionam o apoio aos bombeiros, já que a colaboração entre as câmaras municipais e as corporações de bombeiros é essencial no trabalho de proteção civil”, defendeu o presidente da Câmara de Aveiro, José Ribau Esteves (PSD).
O vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que participou de várias campanhas, admitiu que alguns candidatos apresentam programas menos detalhados, mas consideram importante que a questão dos incêndios seja abordada nas candidaturas.
“Este tópico precisa entrar no discurso dos autarcas, seja em programas de campanha ou não, especialmente porque muitos deles conhecem bem os problemas locais e têm um papel ativo”, afirmou Domingos Xavier Viegas.
O diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF), da Universidade de Coimbra, reiterou que os programas eleitorais devem considerar os incêndios, “uma vez que estão cada vez mais envolvidos na definição de estratégias de prevenção e proteção territorial”.
Duarte Caldeira destacou que, apesar da valorização após 2017, ainda predominam compromissos genéricos em vez de objetivos claros e mensuráveis nos programas eleitorais.
“Geralmente, apesar da valorização desde 2017, há uma tendência por princípios amplos e a ausência de compromissos concretos que sejam mensuráveis”, acrescentou.
Segundo ele, “medidas concretas e objetivas que sejam mensuráveis para os cidadãos são raras, e isso se estende além das autarquias, refletindo a ação política do país”.
“Os partidos muitas vezes evitam compromissos que podem ser avaliados, levando a uma abordagem vaga e defensiva. Melhorar a qualidade de vida dos cidadãos é uma afirmação genérica que não oferece critérios claros para avaliação”, completou.
Quanto à prevenção de incêndios florestais, o ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses destacou a importância da redução da biomassa nas áreas urbanas, mas reconheceu os desafios econômicos enfrentados por uma parte da população e pelos proprietários de imóveis que retornam ao país apenas durante as férias, períodos em que são proibidos de realizar tais trabalhos.
Sobre a relação entre as eleições e o aumento de incêndios, Duarte Caldeira mencionou que, embora haja uma percepção histórica, muitos incêndios graves ocorrem em anos eleitorais e não eleitorais, dificultando uma correlação direta.
“Desde 2000, observamos que existem anos eleitorais com um aumento da área ardida e um número maior de incêndios, mas também há anos sem eleições que mostram a mesma tendência”, afirmou.
Neste ano, ele alertou para o risco de que, até o final de setembro, o país possa se aproximar dos números de 2017, não em termos de vidas humanas, mas em termos de danos ambientais e agrícolas.
“A menos que setembro seja, como no ano passado, um mês atípico”, ressaltou.
Duarte Caldeira afirmou que Portugal já está enfrentando um ano grave. Sem contabilizar os danos em habitações, culturas ou animais, mais de 200 mil hectares de floresta já foram consumidos pelas chamas, colocando o país em uma trajetória que pode se igualar a 2017 se setembro se mostrar desafiador.
Em relação às mudanças desde 2017, o especialista destacou a “capacidade de antecipar a evacuação das populações em áreas de risco, coordenando de forma exemplar as forças de segurança com os municípios”.
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